Educação musical: Um olhar sobre os métodos ativos

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“O professor ensina a fazer fazendo: a falar falando, a cantar cantando, a pensar pensando, a escrever escrevendo, a dançar dançando. A criança aprende a imitar. Imitando, aprende a inventar. Inventando, aprende a conhecer” (MARQUES, 2009, p. 45)

Nesse artigo trataremos da educação musical, fazendo um recorte sobre a primeira metade do Século XX, apresentando alguns dos educadores musicais que desenvolveram métodos ou abordagens chamadas posteriormente de “educação musical ativa”. 

Em um primeiro momento, gostaria de discutir conceitualmente ao que se refere esse termo: Educação Musical Ativa. Trata-se de um conjunto de métodos, que surgiram na primeira metade do século XX, como uma resposta às mudanças sociais que aconteceram no final do século XIX, cabe aqui ressaltar que até final do século XIX “não havia preocupação específica em cuidar do desenvolvimento e do bem-estar da criança, ou mesmo do jovem, e do adulto.” (FONTERRADA, 2005, p. 109) ao mesmo tempo que havia a intenção de formar grandes intérpretes musicais, valorizando a excelência do conhecimento técnico e musical. Segundo CUNHA (2015), a educação musical no início do século XX passa, então, a estar “centrada na experiência como construção do conhecimento” (p. 12), deixa-se de pensar no ensino de música como mera repetição de técnicas, para tornar-se um espaço de criação e de participação ativa dos alunos na construção das propostas desenvolvidas em sala de aula. 

Independentemente de serem nomeados como métodos, abordagens ou uma base filosófica, alguns educadores musicais têm em comum alguns aspectos:

  • A prática sempre antecede a teoria;
  • O material musical (repertório) deve ser familiar a criança;
  • O ensino da música passa também pela linguagem falada, movimento e dança, onde tudo é integrado;
  • A língua materna é o elemento disparador do ensino da música. Cada proposta musical deve ser adaptada ao repertório da cultura musical da região;
  • O que importa é o processo de aprendizagem, assim o produto deixa de ser o foco principal;
  • A criação e a participação da criança em todo o processo de aprendizagem é muito valorizada;
  • o processo criador é inerente ao aprendizado musical;
  • Em primeiro lugar é necessário experimentar e sentir para depois dizer “eu sei”.

A educação musical ativa, centrada no fazer, na construção do conhecimento por parte do aluno, solidifica-se com uma abordagem que promove o êxito e fortalece a vivência musical por meio das canções, das danças e atividades de movimento, ou por meio da prática instrumental acessível de crianças a adultos, na qual a habilidade pode ser desenvolvida respeitando-se o tempo de aprendizado e valorizando os conhecimentos musicais do aluno dentro de cada cultura. 

Os educadores musicais que serão citados a seguir não ficaram distantes das mudanças e conquistas no âmbito da pedagogia, como os estudos de Piaget (1997), que viu a criança como um ser dotado de características próprias e não como um adulto em miniatura.  Para ele o desenvolvimento mental é uma construção contínua, que torna-se mais sólido a medida que se acrescenta algo novo, e assim, a ação supõe sempre um interesse que a desencadeia. 

Vygotsky (1991) entende o ser humano como um ser social/cultural e a relação mente/cultura é primordial na sua aprendizagem e desenvolvimento. A criança até 5 anos de idade age de forma impulsiva, é movida pela ação e somente após os 5 anos de idade é que ela age racionalmente, com objetivo. 

Entre educadores que despontaram nesse século, somente algumas propostas destacaram-se, ora pela sua importância, ora pela possibilidade de ser implementada em outros países e culturas. Aqui faremos referência a alguns dos educadores que viveram na Europa e que, de uma forma mais sistemática, influenciaram a educação musical brasileira a partir da década de 1960, tornando-se mais conhecidos 

Émile Jaques-Dalcroze

Desenvolveu um trabalho baseado no movimento corporal e na escuta musical, e investigou a “elaboração de uma proposta de educação musical baseada na interação entre escuta e movimento corporal”. (FONTERRADA, 2005, p. 11).  Para ele, o elemento primordial da linguagem musical é o movimento corporal e nas aulas o aluno participa ativamente do processo de aprendizagem. O seu olhar para a educação musical visa a musicalização do corpo, onde os elementos da música são estudados e desenvolvidos por meio do corpo, com atividades de ritmo, de percepção dos conceitos musicais como altura, intensidade, andamento, entre outros. Em suas aulas a experiência vivenciada pelo aluno passou a ser valorizada. 

Seu trabalho é baseado em três pilares: rítmica, solfejo e improvisação. Para ele, o movimento, o treinamento auditivo e vocal e a improvisação levam o aluno a desenvolver pensamentos musicais próprios.

Além disso, criou um conjunto de composições e exercícios para serem utilizados em suas aulas, bem como elaborou um conjunto de ideias filosóficas que fundamentam suas descobertas, compondo um vasto material sobre suas investigações a respeito da educação musical e da arte em geral.

A sua grande contribuição como educador foi tirar o aluno da aprendizagem baseada em livros e colocá-lo para participar na construção do conhecimento, tendo o corpo como objeto de expressão e representação da linguagem musical, abrindo caminhos para a criação e a expressão. 

 Edgard Willems

Criador da “Pedagogia Willems”, viveu em Genebra no mesmo período que Piaget, tendo contato com os estudos deste. Porém, fundamentou seu trabalho em outras teorias, como a antroposofia (Steiner), as teorias espiritualistas (Rudhyar), o pensamento pitagórico e os fundamentos cósmicos da escala diatônica. (PAREJO, 2021, p. 91, in MATEIRO, T. ILARI, B.)

Willems tem como pressuposto que a música não deve ser ensinada somente para crianças talentosas já que tem um valor humano e portanto, é parte fundamental da formação de todos, independentemente de se profissionalizarem ou não. 

Os instrumentos musicais utilizados em suas aulas e dentro de sua pedagogia passam por sinos de diversos timbres e alturas, carrilhões intratonais, e instrumentos que pudessem despertar no aluno o interesse pela escuta atenta, observação e classificação sonora. 

Zoltán Kodály 

Com a frase: “A música pertence a todos”, fez da educação musical na Hungria muito mais do que um método,  lançando a base para uma filosofia sobre a importância da música na vida da criança, do jovem e do adulto. Para ele, cantar é o ponto de partida para a formação musical da criança e as canções folclóricas formam a base do repertório para a formação musical. 

Dentro de sua proposta de educação musical, não existe um conjunto específico de instrumentos musicais, mas, sim, a exigência com a boa formação do professor, a afinação, a boa leitura para o canto, e o conhecimento do “manossolfa” (forma gestual de indicar as notas, sem a necessidade de utilizar material escrito para a leitura da partitura). Sua meta, enquanto educador, era que o estudante de música fosse capaz de desenvolver a habilidade de cantar com perfeição a primeira vista e escrever corretamente qualquer melodia escutada. 

Por fim, desenvolveu ampla pesquisa sobre o folclore da Hungria e suas transformações ao longo do tempo.  Amigo de Béla Bartók, que também  pesquisou o folclore de países vizinhos da Hungria e do folclore romeno, eslovaco, turco e árabe, mas voltando o foco para o aspecto geográfico, Kodály realizou com este um trabalho de reconstrução da identidade folclórica da Hungria, tomando como base dois princípios (FONTERRADA, 2005, P. 141): 1) desenvolver a musicalidade individual de todo o povo; e 2) manter as fontes da tradição cultural

A meta de Kodály, por meio de um programa de alfabetização musical, era trazer a música para o cotidiano de todas as pessoas, ensinando o espírito do canto para todos. 

Carl Orff 

Com a “Schulwerk”, não criou um método, mas sim uma abordagem da educação musical, onde o aprendizado parte totalmente da prática. A partir de “Canções Elementares”, as atividades de canto, ritmo, e movimento são realizadas. Precisamos entender que canções elementares não são apenas canções simples no aspecto musical, mas canções que fazem parte do universo da criança e da cultura de cada país. O acompanhamento instrumental é feito por instrumentos acessíveis para todos tocarem, como os xilofones e metalofones, além de instrumentos de pequena percussão como pratos, pandeiros, clavas, wood-blocks, triângulos e maracas, entre outros.  

Em seu trabalho o ritmo é a base de todo o aprendizado. Buscando o desenvolvimento dos alunos, partiu de cantilenas, jogos e parlendas infantis, tão familiares para as crianças. O aspecto rítmico da música deveria provir do movimento e a melodia do ritmo da fala. 

Para Orff a improvisação tem um papel importante na formação musical da criança, fazendo parte de todos os estágios da formação musical. Atividades como eco (repetir o que ouviu) e jogo de pergunta e resposta, onde a resposta é um improviso, são desenvolvidas ao lado dos ostinatos, figuras rítmicas e melódicas repetidas, que acompanham as canções, formando a base para a improvisação tanto rítmica como melódica. 

A coleção de livros intitulada Orff-Schulwerk, composto de atividades compiladas por Gunild Keetman, traça uma linha para o desenvolvimento musical da criança. Porém os livros não tem uma indicação de uso e as atividades apresentadas devem ser adaptadas para o repertório musical de cada país e cultura, permitindo que o professor construa seu próprio material de trabalho, dentro das necessidades de seus alunos.

Esse material leva as crianças a tocar, dentro de grandes conjuntos de instrumentos Orff – planejados e pesquisados por ele mesmo, com ajuda de Curt Sachs e Karl Laendler, e aperfeiçoados por Klauss Becker do Studio 49, motivando-as a executarem música em grupo desde o início do aprendizado musical.  

Esse material é formado por xilofones (soprano, contralto, tenor e baixo), metalofones, glockenspiels, tambores, pratos, platinelas, tímpanos, violas da gamba, flautas e outros instrumentos de pequena percussão. O material é de excelente qualidade, com boa afinação e facilidade no manuseio por parte das crianças, já que as lâminas dos instrumentos podem ser retiradas facilitando a execução de músicas onde a criança deverá tocar duas ou três notas, como bordão ou parte da melodia.

A motivação em participar da orquestra e a possibilidade de fazer música que está conectada com a cultura de cada país foi um dos grandes fatores motivadores da abordagem desenvolvida por Car Orff.  Ele enfatizou a expressão e não o desenvolvimento técnico. 

Como vimos dentro das ideias dos quatro educadores citados, o aprendizado musical ganhou novo olhar na primeira metade do século XX, tornando-se muito mais acessível para todas as crianças, jovens e adultos, dentro de um aprendizado ativo e motivador da linguagem e expressão musical.

Referências 

CUNHA, João; CARVALHO, Sara; MASCHAT, Verena. Abordagem Orff-Shulwerk. História, filosofia e princípios pedagógicos. Aveiro: UA Editora, 2015

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios. Um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNIES, 2005.

MARIANI, Silvana. “Émile Jaques-Dalcroze. A música e o movimento”. In: MATEIRO, Tereza: ILARI, Beatriz (Org.) Pedagogias em educação musical. Curitiba: InterSaberes, 2012

MARQUES, Francisco (Chico dos bonecos). Muitas coisas, poucas palavras. A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender. São Paulo, Peirópolis, 2009. 

PAREJO, Enny. “Edgar Willems. Um pioneiro da educação musical”. In:  MATEIRO, Tereza: ILARI, Beatriz (Org.) Pedagogias em educação musical. Curitiba: InterSaberes, 2012

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 

SZÖNYI, Erzsébet. A educação musical na Hungria através do Método Kodály. São Paulo: Sociedade Kodály do Brasil, 1996. 

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WILLEMS, Edgar. As bases psicológicas da educação musical. Suíça: Edições Pro-Musica, s/d.

Renata de Oliveira Pavaneli é Bacharel em Piano e Mestre em Educação. Atua como professora de Educação Musical na Educação Infantil e Ensino Fundamental – Anos Iniciais; regente de Coro Infantil e nos cursos de Formação de Professores do programa Descubra a Orquestra da OSESP. Participa do Grupo de Estudos da ABRAORFF e dedica-se à pesquisa de atividades de educação musical entrelaçadas com a literatura infantil.

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